ANS promove debate sobre financiamento da assistência à saúde

A discussão sobre os desafios do financiamento da assistência à saúde num cenário de custos crescentes e aumento da demanda em função do envelhecimento populacional foi o principal tema abordado no Simpósio Economia, Regulação e Saúde Suplementar. O evento, realizado na terça-feira (03/10) pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), reuniu especialistas e autoridades do setor público e privado para debater alguns dos principais desafios do setor.

 

Na abertura, o diretor-presidente substituto da ANS, Leandro Fonseca, destacou que o financiamento da saúde é um debate urgente e que precisa ser feito com a participação de toda a sociedade. “É preciso termos uma trajetória sustentável de custos e preços diante do aumento da longevidade, da transição epidemiológica e do impacto das novas tecnologias na saúde”. Segundo o diretor, “Esse tema precisa ser ampliado, ultrapassar as fronteiras da ANS e envolver a academia, o conjunto do governo, o Parlamento e a sociedade de maneira geral”.

 

Para o diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, Rodrigo Aguiar, esse tipo de debate ajuda a concretizar conceitos e teorias que vêm sendo articulados pela ANS com todo o setor em busca de melhorias regulatórias.

 

O diretor do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV), Luiz Guilherme Shymura, ressaltou que o evento é extremamente oportuno nesse momento econômico que o país vive e que o setor privado tem papel fundamental no crescimento da economia.

 

“Os gastos com saúde aumentam nas faixas etárias mais elevadas. Entender essa problemática, envolver os vários atores presentes nas políticas do setor é um importante desafio”, enfatizou Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV).

 

O painel O Desafio do Financiamento à Saúde contou com o ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo Oliveira, e com o presidente do United Health Group do Brasil, Cláudio Lottenberg. “Essa discussão de hoje, aqui, é fundamental para que nós nos antecipemos e possamos preparar o País para viver uma realidade que é indiscutível. Nós estaremos, nos próximos 30 anos, nos transformando em um país de idosos, um país com uma população envelhecida. Que bom que isso vai acontecer, mas nós precisamos preparar o País para isso”, disse o ministro, alertando que a composição do gasto público atual é incompatível com esse cenário. “Atualmente, os gastos previdenciários correspondem a cerca de 55% dos gastos totais do governo, daí a necessidade de uma reforma da previdência”, disse Oliveira. “A ANS tem colocado uma agenda inovadora e criativa para ajudar a resolver os desafios ao financiamento dos gastos com saúde. A redução de custos e o aumento da eficiência são saídas interessantes”, concluiu o ministro.

 

Segundo Lottenberg, há necessidade de revisão do modelo de pagamento de prestadores e promoção da integração da assistência em saúde. “O modelo hoje praticado pelo mercado de pagamento de prestadores – fee for service – não tem preocupação com a qualidade do resultado. Sabemos que esse modelo é impraticável. Sabemos que vai ter que mudar. A fragmentação da assistência em saúde também é muito ruim, em nada agrega à qualidade da saúde”, disse. Lottenberg também destacou a necessidade de busca por mais eficiência e menos desperdícios em saúde com redundâncias, fraudes, cuidados ineficientes, preços altos e oportunidades de prevenção perdidas. Para ele, muito pode ser feito em termos de gestão para um sistema mais eficiente.

 

 

Judicialização

Ainda na parte da manhã, o Simpósio discutiu os impactos da judicialização na saúde. A diretora de Fiscalização da ANS, Simone Freire, mediou o debate entre o procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Arnaldo Hossepian, o professor e coordenador do Centro de estudos em Negócios do Insper, Paulo Furquim de Azevedo, o coordenador-adjunto do FGV Law Program, Paulo Cunha, e o pesquisador Mário Scheffer.

 

A diretora Simone Freire defendeu a pesquisa acadêmica como o melhor caminho para fundamentar as decisões judiciais. “Não podemos perder de vista a legalidade. A Agência tem papel institucional de fazer a defesa do interesse público”, destacou a diretora.

 

Hossepian falou sobre a resolução do Conselho Nacional de Justiça (238/2016) que estabelece a criação do Comitê Estadual de Saúde para auxiliar os tribunais na criação de Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS) e elaborar pareceres acerca da medicina baseada em evidências. Ele explicou que a iniciativa prevê a criação de um banco de dados capaz de ajudar os juízes a basear suas decisões, melhorando, dessa forma, o padrão das deliberações judiciais.

 

O professor Paulo Furquim destacou a relevância do tema para o Judiciário e para as contas públicas, ressaltando que é um problema com solução muito complexa, pois lida com dois atores centrais da sociedade, o médico e o magistrado. Ele citou casos emblemáticos, apontou gastos e diferenças entre os tipos de judicialização – as que demandam o cumprimento do contrato ou da política de saúde; as que pedem procedimentos não cobertos pelo contrato ou política; e as que demandam mudanças na política pública ou regulatória. Apontou dados de pesquisas que mostram que, na maioria das decisões, predomina a falta de deferência às deliberações dos órgãos públicos de natureza técnica e médica, em favor de decisões embasadas apenas no parecer do médico do paciente.

 

Em sua fala, o professor Paulo Cunha destacou que, em se tratando de judicialização, é importante distinguir a diferença entre o que é defesa de mercado e o que é defesa do consumidor. Segundo Cunha, três princípios podem ser evocados em matéria regulatória: o democrático, o da eficiência e o da realidade.

 

 

Preços e concorrência

À tarde, os debates foram retomados com o painel Preços e Promoção da Concorrência na Saúde Suplementar, mediada pela diretora de Normas e Habilitação de Produtos da ANS, Karla Coelho, que destacou a importância transparência da informação. “Temos muitos desafios pela frente, e dados assistenciais são insumos importantes para fomentar a discussão e nos ajudar na construção de políticas públicas. A ANS é um órgão que preza pela transparência”, disse.

 

Participaram da mesa os debatedores Mônica Viegas, pesquisadora da UFMG, Cristiane Alkmin, Conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), e Salomão Quadros, coordenador de estudos setoriais do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), que falou sobre índices de preços de serviços de saúde, apresentando metodologia e base de cálculo.

 

A conselheira do CADE destacou o trabalho do órgão na promoção da concorrência e sublinhou que as principais preocupações derivadas da concentração de mercado são a perda de qualidade, a diminuição de quantidade e o aumento injustificado de preço dos serviços prestados pelo setor. Entre as iniciativas que podem contribuir para aprimorar a atuação do setor, enumerou a elaboração e divulgação de estudos sobre entendimento do órgão; punição além da contribuição pecuniária; e fortificação da cultura da concorrência. Propôs a participação do CADE em um Grupo de Trabalho a ser criado, com outros órgãos do governo e a ANS, para discutir como equacionar condutas anticompetitivas e promover a eficiência no setor.

 

A professora Mônica Viegas ponderou que é preciso estudar mais o comportamento do mercado para ter uma resposta se a ampliação da concorrência provoca melhoria no bem-estar. “Ampliar a concorrência a qualquer custo pode não ser a solução. O setor de saúde suplementar sempre vai ser relevante, e a questão da concorrência é um ponto que a ANS tem que estar sempre atenta, especialmente quanto à qualidade dos bens e serviços ofertados”, avaliou.

 

 

Reformas microeconômicas

A última mesa do Simpósio discutiu reformas microeconômicas e reflexos na saúde suplementar. Mediada pelo diretor Leandro Fonseca, o debate reuniu o pesquisador do IBRE/FGV Fernando Holanda, o chefe da Assessoria Especial de Reformas Microeconômicas do Ministério da Fazenda, João Pinho, e o vice-presidente de Serviços Externos da Rede D’Or São Luiz, Leandro Reis Tavares.

 

O professor Fernando Holanda destacou a relação inversa entre pequenos empreendimentos e eficiência econômica, caso os ineficientes permaneçam no mercado. Um dos pontos destacados pelo palestrante no que diz respeito à ampliação da oferta é se é feita de forma eficiente. “Temos que avaliar a evolução da produtividade ao longo do tempo, tanto na saúde pública como privada”, disse.

 

Leandro Reis sublinhou que o país precisa produzir dados nacionais de saúde capazes de ajudar na construção das políticas setoriais. “Não podemos tomar decisões baseadas em estatísticas e dados internacionais, pois não acharemos soluções para nossos problemas”. Segundo ele, a diversidade da rede implica não ser possível perseguir modelos mais eficientes de remuneração em todos os tipos de prestadores. Reis destacou ainda a importância de estimular o cuidado integrado para melhorar o cuidado e a eficiência do setor.

 

O professor e assessor especial do Ministério da Fazenda, João Pinho de Mello, enfatizou que a busca por ganhos de produtividade é o elemento chave das reformas microeconômicas para um crescimento sustentado do País, em todos os setores, inclusive na saúde. Para ele, aumentar a produtividade de modo perene depende de reformas horizontais e verticais. “É preciso criar condições para competir – melhorar o ambiente de negócios, promover a estabilidade e qualidade regulatória e a desburocratização – e reduzir fatores que induzem distorções nas alocações de capital e trabalho”, apontou. Segundo ele, a ANS vem propondo medidas na direção correta, tendo destacado as consultas públicas relativas à ampliação da portabilidade de carências e a que propõe incentivos à escala adequada de operação de planos de saúde.

 

 

No encerramento do Simpósio, o professor Armando Castelar, da FGV, destacou o compromisso da instituição em contribuir com os debates de aprimoramento setoriais e a importância de se construir uma narrativa que a sociedade compreenda e apoie. Já o diretor Leandro Fonseca disse que os objetivos do encontro foram plenamente atingidos. “Pretendemos fomentar o debate público acerca do desafio a ser enfrentado do financiamento dos serviços de saúde, além de promover o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas que contribuam com esse debate”. Segundo o diretor, “Temos que discutir os problemas de forma serena, equilibrada e técnica para que sociedade entenda os dilemas e para que possamos, em conjunto, dar um norte sustentável à saúde”.

(ANS)

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